O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) deve começar a julgar hoje (7) o destino das emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto.
O mecanismo garantiu sustentação política ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e passou a ser ponto crítico nas negociações do futuro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o Congresso.
A expectativa é que o julgamento só termine na próxima semana —isso se algum ministro não pedir vista (mais tempo de análise) e interromper a discussão até 2023. Além de hoje, o STF só tem mais duas sessões previstas antes do encerramento do semestre, no dia 19.
Alguns pontos para entender o julgamento:
- uma ala do STF defende a possibilidade de manter o orçamento secreto, mas cobrar mais transparência do Congresso;
- decisão garantiria um meio-termo: o Supremo não compra a briga com o Congresso, mas obriga parlamentares a prestarem mais informações sobre o repasse;
- o voto de Rosa é incógnita: a ministra mantém suspense sobre como votará e sua posição poderá influenciar os colegas; a certeza: seu voto será longo;
- em comum: ministros de diferentes alas dizem que o modelo das emendas como está posto não é transparente o suficiente;
- o impasse agora é saber se as mudanças feitas pelo Congresso de 2021 para cá são suficientes para manter as emendas ou se o modelo deve ser integralmente derrubado.
Emissários de Lula entraram em campo. Como mostrou o UOL, Lula escalou emissários para atuar no STF com foco em medir o humor do tribunal sobre alguns assuntos que envolvem a transição —nas últimas semanas, ao menos cinco ministros foram procurados por aliados do petista.
O julgamento das ações sobre o tema pegou a equipe petista de surpresa porque, até então, havia a expectativa de o tribunal deixar o caso para o ano que vem.
Queda de mecanismo pode ser favorável ao governo. Uma ala de aliados de Lula tem sinalizado que seria favorável à derrubada das emendas do relator. O cálculo político é simples: sem elas, as negociações com o Congresso seriam mais fáceis.
O petista ganharia força para fazer acordos sem se comprometer com o mesmo esquema que garantiu a sustentação política de Bolsonaro.
Outro grupo, porém, teme que a implosão do orçamento secreto respingue no futuro governo e afete as tratativas da PEC da Transição, principal aposta de Lula para abrir espaço no orçamento para o Bolsa Família de R$ 600. Há temor de “retaliação” caso as emendas sejam derrubadas.
PEC mudou planos. O fim do mecanismo era uma promessa de campanha do presidente eleito, mas se tornou um impasse para o petista. Publicamente, Lula tem dito que defende o critério de emendas, desde que sejam transparentes e alinhadas com as necessidades do Planalto.
“É importante que a emenda seja dentro da programação de necessidades do governo e que essa emenda seja liberada de acordo com os interesses do governo”, disse Lula na sexta-feira (2)
Não pode continuar da forma que está”Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito
O problema é que tal decisão do Supremo colocaria o tribunal em rota de colisão com Arthur Lira (PP-AL), que tem no mecanismo uma forma de garantir apoio de parlamentares.
Sem o instrumento, o poder de barganha do presidente da Câmara é reduzido. Internamente, o Congresso elabora medida para tentar demonstrar ao Supremo que planeja mudar a forma como as emendas são distribuídas.
Durante o julgamento, o UOL apurou que a advocacia do Senado dirá aos ministros que a Lei Orçamentária Anual já incorporou a emenda e deu transparência necessária ao mecanismo, que será consolidado na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Rosa já disse que orçamento secreto “causa perplexidade”. O primeiro voto da ministra sobre o tema foi duro. Em 32 páginas, Rosa Weber disse que o modelo posto pelo Congresso violava princípios republicanos e o regime democrático ao não deixar claro quem pedia e para onde ia o dinheiro. Na ocasião, ela travou os pagamentos e foi acompanhada pela maioria dos colegas.
Rosa disse que causou “perplexidade” a descoberta que parcela do orçamento era distribuída mediante interesses pessoais de parlamentares “sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos” e por vias “informais e obscuras”.
O modelo vigente de execução financeira e orçamentária das despesas decorrentes de emendas do relator viola o princípio republicano e transgridem os postulados informadores do regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado”Rosa Weber, presidente do STF
Dias depois, Rosa flexibilizou sua decisão para liberar os pagamentos após o Congresso se comprometer a garantir mais informações sobre os repasses.
A ministra pontuou que voltava atrás somente pelo risco da paralisação das emendas prejudicar serviços públicos, mas que as medidas adotadas pelos parlamentares voltariam a ser analisadas.
Caso pode ficar para 2023. Dentro do STF, há a possibilidade de o julgamento ser paralisado por um pedido de vista e só ser retomado no ano que vem. Isso porque há apostas de que um pedido de vista (mais tempo de análise) trave a discussão.
A justificativa seria a ausência de tempo útil para os ministros se preparem para um julgamento dessa natureza. Como presidente do STF, Rosa tem pautado as ações para o plenário toda sexta-feira, o que daria, para uma ala do tribunal, pouco tempo para uma discussão aprofundada dos casos.
Nos bastidores, há um movimento neste sentido, com uma ala defendendo que o tribunal deixe a questão para depois do recesso. Por outro lado, outros ministros dizem que o melhor é tentar resolver o assunto ainda em 2022.
O resultado prático seria manter as emendas ao menos neste fim de ano e o início do ano seguinte, período que engloba desde a conclusão da transição de Lula e sua posse na presidência como também a eleição para as presidências de Câmara e Senado.
O que é o orçamento secreto?
Presentes desde o Orçamento de 2020, as emendas de relator facilitaram o trabalho do governo de Jair Bolsonaro (PL) nas negociações com as bancadas do Congresso Nacional ao serem usadas em troca de apoio político.
Desde o ano passado, contudo, a verba se tornou central em escândalos de fraudes na compra de caminhões de lixo, ônibus escolares, tratores, ambulância, entre outros.