No Brasil, apenas 14 de 32 partidos consultados pela CNN afirmam ter iniciativas de estímulo a candidaturas femininas e de pretos e pardos; e um número menor ainda, 12, disse fomentar a representatividade LGBTQIA+ entre seus quadro. A falta de representatividade em termos raciais e de gênero nos cargos eletivos é motivo de preocupação nas eleições de 2022.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), houve avanço na representatividade nas últimas eleições gerais, as de 2018 — em relação a 2014, houve 52,6% mais mulheres e 14,1% mais negros entre deputados distritais, estaduais, federais e senador. Apesar disso, das 1626 vagas, apenas 290 são ocupadas por mulheres, e 444, por pardos e negros.
Para as eleições de 2022, passam a vigorar novas regras com o objetivo de ampliar esses avanços.
30% do “fundão” para candidaturas femininas
No campo das candidaturas femininas, o grande destaque fica por conta da Emenda Constitucional 117. Promulgada em abril deste ano, a medida institui que os partidos políticos devem direcionar, no mínimo, 30% de seu Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e seu tempo de propaganda eleitoral em rádio e TV às suas candidatas.
Além disso, a norma indica que as legendas devem destinar ao menos 5% de seu fundo partidário à “criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres”.
A presidente do Observatório Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Maira Calidone Recchia classifica os repasses como “fundamentais para o aumento da diversidade no Congresso Nacional”.
“Isso ficou comprovado já de 2014 a 2018, quando pela primeira vez houve o uso do fundo de financiamento de campanha na mesma proporção dos registros das candidaturas, com relação ao gênero. A gente tinha um percentual de 10% de mulheres eleitas no Congresso Nacional [em 2014], e esse número salta para 15% [em 2018]”, destaca.
A especialista ainda explica que nas eleições de 2018 e 2020 a obrigatoriedade da destinação de 30% do “fundão” e do tempo de TV já estava em vigor. Nos pleitos anteriores, porém, a questão era regulada por uma resolução do TSE. Apenas neste ano o tema se tornou lei.
A preocupação da legislação brasileira com a representatividade de gênero em cargos eletivos data de, ao menos, 1997, quando foi promulgada a Lei de Eleições. A norma indica que “cada partido preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”.
Coordenador substituto da Comissão de Promoção Igualdade Racial do TSE, Fábio Franscisco Esteves explica que, apesar da existência de leis que garantem percentuais mínimos de pessoas pertencentes a grupos tidos como minoritários, as maiores dificuldades se encontram na “conversão” das tais candidaturas.
Em 2018, por exemplo, as mulheres representaram 31,6% dos concorrentes a postos políticos. Porém, somente 15% acabaram eleitas. Quatro anos antes, o número era ainda mais preocupante: as candidaturas foram 31,1% do total; a conversão foi de cerca de 10%.
Maira Calidone Recchia aponta que a EC 117 atua exatamente na capacidade de conversão das candidaturas femininas. “Então, o que é muito importante frisar: as políticas afirmativas de inserção, se não vierem acompanhadas do devido estímulo e pilares da corrida eleitoral, como financiamento e aparição, elas restam inócuas”, diz a especialista.
Recursos do “fundão” e tempo de TV para pretos e pardos
Passa a valer também nas próximas eleições uma decisão do TSE relacionada ao repasse de recursos do “fundão” e de tempo de TV e rádio para candidatos pretos e pardos.
De acordo com entendimento do Tribunal, a distribuição destes insumos “deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa eleitoral”. A medida atua, assim como a EC 117, no potencial de conversão de candidaturas.
Em 2018, 46,56% dos candidatos apresentados eram pretos ou pardos. Porém, apenas 24,36% dos que foram alçados a cargos eletivos eram negros. Fábio Franscisco Esteves celebra a decisão do TSE, portanto, como “um evento histórico na democracia brasileira”.
“Por que essas candidaturas não são convertidas? Porque não há espaço para essas pessoas dentro do processo eleitoral, especificamente porque falta recurso e tempo na televisão. Então a gente vê que essa ação afirmativa tem, sim, grande possibilidade de mudar essa realidade, de aumentar a representatividade”, diz o especialista.
O jurista destaca, contudo, que as normas referentes à diversidade racial são defasadas em relação às de gênero. Ele acredita que — assim como no caso das candidaturas femininas, com a EC 117 — pretos e pardos devem obter legislação que estabeleça percentual mínimo de distribuição do FEFC e do tempo de publicidade gratuita.
Um longo caminho a percorrer
O entendimento do TSE ataca também a interseccionalidade entre os grupos tidos como minoritários. Além dos pontos citados acima, a norma garante que 50% dos recursos do “fundão” destinados às mulheres devem ser distribuídos a candidatas negras.
“O TSE teve a compreensão de que mulheres brancas e mulheres negras têm trajetórias diferentes no processo político e eleitoral. Mulheres já são discriminadas. Mulheres negras são duplamente discriminadas — por serem mulheres e por serem mulheres negras”, comenta o membro da Comissão de Promoção Igualdade Racial.
Os especialistas destacam, por outro lado, que os demais grupos tidos como minoritários não vêm recebendo tal atenção das instituições responsáveis por promover ações afirmativas de diversidade. Pessoas com deficiência, populações indígenas e grupos LGBTQIA+ permanecem subrepresentados, mostram os números.
De acordo com levantamento do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), a Câmara conta com quatro deputados autodeclarados LGBTQIA+ — ou seja, 0,77% do total.
Em 2019, pela primeira vez na história o IBGE coletou dados sobre grupos LGBTQIA+. Segundo o levantamento, 1,2% da população se declara homossexual, tem atração por pessoas do mesmo sexo ou gênero; e 0,7% se declara bissexual, tem atração por mais de um gênero ou sexo binário. O instituto ainda alerta para possibilidade de subnotificação.
A CNN consultou o TSE em busca de dados sobre candidaturas LGBTQIA+. O Tribunal, porém, informou que não coleta tais informações.
Maira Calidone Recchia reitera a ausência de normas que incentivem este tipo de candidatura. “A gente não tem sequer dados que meçam a participação dessas pessoas [LGBTQIA+] na política. E, detalhe: são as pessoas que mais sofrem violência política nas eleições”, completa a especialista.
O papel dos partidos políticos
Os órgãos governamentais não são os únicos responsáveis por apresentar iniciativas que busquem a diversidade, segundo a jurista da OAB. Maira Calidone Recchia relembra a “necessidade de fazer essa inserção dentro dos ambientes políticos” para criação de uma “democracia intrapartidária”.
Entre os 32 partidos políticos consultados pela CNN, só MDB, PSDB, PT, PCdoB, PV, PDT, Solidariedade, Podemos, Rede, PSOL, PSTU e UP apresentaram iniciativas para fomentar a representatividade feminina, LGBTQIA+ e de pretos e pardos ao mesmo tempo.
17 partidos optaram por não responder ao questionamento da CNN.
Apesar dos avanços que apresenta em seu texto, a EC 117 traz também contradições em relação ao papel das legendas no processo de incentivo à inclusão. A lei livra de punições os partidos que descumpriram a cota mínima de recursos para candidaturas de mulheres e negros em eleições passadas.
Diversidade não é apenas “simbolismo”
O especialista relembra, por fim, que a busca pela diversidade na política “não é um mero simbolismo”. Ele destaca que instituições com maiores índices de representatividade e responsabilidade social apresentam, via de regra, melhores métricas.
“No campo político, nós precisamos entender que [a diversidade] é um ativo político: significa dizer que teremos condição de entregar um trabalho parlamentar muito melhor”, completa.
Em 2018, um estudo realizado pelo Boston Consulting Group buscou compreender a relação entre diversidade e produtividade. O resultado da pesquisa indica que empresas com equipes de gestão mais diversas reportam receitas em inovação 19% maiores que aquelas de menores índices.
“Quanto mais cabeças diversas pensantes, mais a gente avança em termos de nação e de democracia. Todos os grupos tidos como minoritários acabam tendo um olhar diferenciado para seu próprio local. Isso é fundamental”, conclui a jurista.
Um trabalho publicado no “Journal of Economic Behavior & Organization” — também em 2018 — descobriu, ao analisar 125 países, que os índices de corrupção são menores em governos com maior participação feminina.
A IPU Parline é uma instituição que publica mensalmente rankings medindo a participação feminina nos parlamentos ao redor do mundo. O Brasil é o 143º colocado do levantamento que reúne um total de 183 países.