A viradinha na bateria eletrônica e o teclado arrepiando já não são mais exclusividade de histórias de embriaguez, traição e amor não correspondido. O piseiro, um dos ritmos brasileiros mais modernos, é uma das grandes apostas dos marqueteiros dos principais candidatos a presidente nas eleições de 2022 para conquistar o eleitorado.
Ao lado do ritmo surgido na Bahia, o samba e o sertanejo estão entre as toadas escolhidas ainda na pré-campanha para quando o jogo começar pra valer. As campanhas terão início em 16 de agosto.
“Olha, eu tô aqui pensando em você. Meu nome é saudade, sobrenome é querer. Querer te ver porque meu coração ficou mal-acostumado, ficou daquele jeito, sem cuidado, abandonado, feito filho sem mãe. E eu sofrendo, querendo meu ex”, diz a letra da canção lançada em 16 de julho. O ex não é namorado nem marido, é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O clipe ao estilo pisadinha que exibe imagens de pessoas com toalhas, cartazes e camisetas de Lula, além do próprio ex-presidente tocando bateria, teve 125 mil curtidas no Instagram, mais de 111 mil visualizações no Twitter e 55 mil no TikTok.
O cantor e compositor Péri vê na pisadinha o mesmo movimento que aconteceu com o axé, que era ritmo garantido nas campanhas eleitorais entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000.
Vocalista do jingle “Gente em Primeiro Lugar”, que embalou a vitória de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1994, ele já trabalhou para Lula, Dilma Rousseff (PT) e Ciro Gomes (PDT).
“A cada ano, a cada eleição, a gente vai de acordo com o que está pintando. O piseiro, a pisadinha, é um negócio que pintou nos últimos anos e as pessoas gostam, é popular, então, por mais que você faça versão em sertanejo, se a pisadinha está fazendo sucesso, você vai fazer uma versão em pisadinha. Na época áurea do axé, a gente também fazia uma versão em axé”, diz ele.
Segundo colocado nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) também já parece ter um hino próprio. A música “Capitão do Povo” embalou a convenção que oficializou a candidatura do filiado ao PL no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.
A música foi reproduzida dezenas e dezenas de vezes durante o ato, e o título de “capitão do povo” foi reproduzido pelo locutor algumas vezes ao apresentar o personagem principal do evento.
“É o capitão do povo, que vai vencer de novo. Ele é de Deus, você pode confiar, defende a família e não vai te enganar. […] Igual a ele nunca existiu, é a salvação do nosso Brasil”, diz a letra da dupla sertaneja Mateus e Cristiano. A música foi apresentada para Bolsonaro em maio e ganhou roupagem profissional em julho.
A campanha do presidente ainda não decidiu quais serão as versões e os ritmos dos jingles, mas um dos responsáveis por cuidar da estratégia eleitoral reconheceu à CNN a força da canção que embalou a convenção partidária, afirmando que ela não poderia ficar de fora do marketing do presidente. Apesar disso, a música ainda não está na página oficial do YouTube de Bolsonaro.
Para o produtor musical Zezinho Mutarelli, a escolha dos ritmos faz todo sentido. “Os eleitores do Bolsonaro são sertanejos, muitos ligados ao agro. Não faria nenhum sentido você colocar um sertanejo pro Lula, porque você estaria mentindo ou fingindo. O PT sempre teve a coisa melosa, mas sempre com um forró ou sanfona. Bolsonaro até pode ter um forró, mas não será o jingle principal da campanha”, disse à CNN.
Mutarelli atendeu a reportagem enquanto mixava jingles para candidatos ao Senado Federal em dois estados relativamente pequenos. Pelo telefone, reproduziu as músicas que preparava, com versões em forró, xote, piseira e guitarrada.
“Eu já fiz campanhas pelo Brasil inteiro, viajei para todo canto, mas agora as culturas regionais estão sendo mais valorizadas para dar um diferencial. É verdade, todo mundo quer o piseiro. Mas se você quiser se destacar um pouco, tem que ir também pro regional, diversificar”, defendeu.
Péri entende que mesmo Bolsonaro vai precisar de uma alternativa ao sertanejo para suas carreatas ― ou motociatas ― pelo Brasil.
“O carro de som ainda é uma peça fundamental, é o mini-trio, é muito usado no interior, então você tem que ter versões das músicas muito animadas para satisfazer as carreatas e comícios. Não dá hoje pra você fazer um jingle em um formato e empurrar goela abaixo de todo mundo”, afirma o compositor.
Opções em vários ritmos
Diversificar foi o caminho escolhido pela campanha de Ciro Gomes. Já são quatro jingles produzidos até agora, cada um completamente diferente do outro. “Ainda é cedo para pensar em eleição, mas eu já tenho um nome no meu coração” é o começo do forró da virada, que o apresenta como “segunda opção” e “aquele que resiste” enquanto “muitos desistem”. Até o final de julho, tinha 1,4 milhão de visualizações no YouTube.
Muito diferente é a pegada de “A Rebeldia da Esperança”, uma espécie de paródia da música “AmarElo”, do cantor Emicida. Com cara de rap, o clipe tem 11 mil visualizações no YouTube. As imagens até se parecem com o clipe “Tá na Hora de Você Olhar pro Ciro”, que bateu 27 mil visualizações, mas tem outro ritmo ― o samba ― e letra bem diferente. Já o melô “Prefiro Ciro” tem pegada de marchinha de Carnaval e 65 mil visualizações até o final de julho.
Nas mãos do marqueteiro João Santana, a campanha afirma que a estratégia é variar mesmo.
“A campanha tem lançado jingles em momentos diversos, refletindo intenções, emoções e estratégias apropriadas para determinadas etapas. Todos obtiveram excelentes respostas e continuam vivos. Muitos outros virão. Tanto a segmentação como a universalização são importantes. Trabalharemos com ambas”, disse em nota enviada à CNN.
Os remakes
A campanha de 2022 ainda abriu as portas para os remakes. No caso de Lula, um grupo de artistas famosos regravou em formato de coral virtual o famoso jingle “Lula Lá”, da campanha de 1989, em que o petista foi derrotado por Fernando Collor.
Estão na lista de participantes Zélia Duncan, Chico César, Lenini, Pablo Vittar, Duda Beat, Martinho da Vila, Martinália, Maria Rita, Teresa Cristina e Paulo Miklos, mas as imagens dão destaque à Flor Gil, neta do cantor Gilberto Gil, que foi ministro da Cultura de Lula. A letra original é de Hilton Acioli. O clipe foi um presente da mulher do petista, Rosângela da Silva, Janja.
Apoiadores da senadora Simone Tebet (MDB) também viajaram 20 anos para buscar em uma campanha que não vingou a inspiração para 2022. Um dos clipes que circula na internet é uma remontagem de uma música criada para embalar em 2002 a pré-candidatura presidencial de Roseana Sarney, sua companheira de partido.
O jingle dizia: “Aprendi a conquistar meu lugar onde eu estiver. Me chamo Ana, Juliana ou Roseana, eu sou a mulher”. O de Simone afirma: “Tô preparada para unir esse Brasil e encarar o que vier. Me chamo Ana, eu sou Maria, eu sou Simone, eu sou a mulher”.
A campanha de Tebet afirma que não se trata de peça oficial, muito embora tenha edição e imagens profissionais, selo do partido e esteja na página do YouTube da candidata.
Oficialmente, a senadora já tem duas músicas. Uma ao estilo feminejo entoada por uma mulher de voz grave intitulada “Simone, a nova esperança do Brasil”, com 154 mil visualizações no YouTube. E outra que remete ― na letra do samba “Eles não e ela sim, Simone sim” ― à campanha das eleições de 2018 feita por mulheres contra Bolsonaro.
“A trilha sonora ajuda a construir a imagem de uma candidata que tem uma trajetória e precisa ser apresentada para as pessoas. Ele precisa combinar com a narrativa da história. Escolhemos músicas populares, de ritmos consagrados e grande aceitação”, afirma Felipe Soutello, que cuida das peças publicitárias e da estratégia de comunicação. Ele conta que, como outros candidatos, Tebet terá um jingle versão piseiro ou pisadinha.
Alfaiate compositor
Um dos jingles mais longevos da história da política brasileira é de autoria de José Raimundo de Castro, falecido alfaiate que trabalhou na Galeria do Rock em São Paulo. O ano era 1982, às vésperas da eleição geral para governos estaduais, Câmara, Senado e Assembleias Legislativas. José Maria Eymael se preparava para disputar sua primeira eleição, mas tinha um obstáculo: o nome difícil e pouco sonoro.
Armando Barreto, coordenador da comunicação da campanha de Eymael à Presidência em 2022, lembra que a ideia surgiu em uma reunião entre correligionários 40 anos atrás.
“O Raimundo de Castro, que era um dos correligionários, levantou a mão e pediu: me dá aí uns dois dias pra eu poder criar alguma coisa. Compositor popular que era, o Castro foi lá e mostrou dois dias depois o jingle icônico que se tornou o que é hoje”, disse à CNN.
Entre muitas versões e remixes, a versão mais assistida já tem 288 mil visualizações no YouTube. É o formato original, tradicional, que voltará a tocar na propaganda eleitoral deste ano.
“Às vezes as pessoas pagam tubos para agências de publicidade criarem jingles, e esse foi uma coisa que brotou do nada, surgiu da inspiração de um correligionário voluntário”, comenta Barreto.
Jingles no forno
Algumas campanhas ainda não concluíram o trabalho de produção dos jingles. Marqueteiro do presidente do Chile, Gabriel Boric, o argentino Yehonathan Abelson foi convocado para cuidar da campanha de André Janones, candidato a presidente pelo Avante.
Abelson disse à CNN que ainda está preparando o material de campanha e não tem nada pronto, mas adiantou do que deve tratar a música de seu cliente.
“O jingle é a forma mais efetiva para fazer chegar a nossa mensagem de campanha. No nosso caso, Janones é o único candidato do povo, que o vê, o defende e sempre estará com ele. O nosso jingle vai ser sobre isso”, afirmou.
Vera Lúcia, que vai disputar e eleição pelo PSTU, também terá ritmos nordestinos em seu jingle, que ainda não foi produzido.
“Vai ter uma sonoridade nordestina, tem que ter. Mas os demais ritmos estão sendo analisados também. A raiz nordestina vai ser o guia. Ele será construído em cima da história de vida da Vera, uma operária, negra, nordestina e socialista. A Vera como expressão de vida da maioria do povo brasileiro: trabalhadora, mãe, avó, uma lutadora que nunca mudou de lado, sempre fiel à luta e às pautas da classe trabalhadora”, disse à CNN o coordenador da campanha Roberto Aguiar.
A campanha de Felipe D’Avila, do Novo, também trabalha no tema. Lucas Albuquerque, coordenador da campanha, disse à CNN que o lançamento será em agosto. “Ainda não temos jingle. Estamos preparando uma música tema central, que queremos lançar no começo da campanha”, disse. Ele não quis dar detalhes do ritmo ou formato.
A campanha de Pablo Marçal (Pros) diz que tem “observado com muita satisfação apoiadores prepararem paródias e jingles manifestando apoio à pré-candidatura do Marçal”.
A única música com esse nome no YouTube, no entanto, está em um clipe com 175 visualizações. A música “O destravar da nação”, cantada por Yasmim Malta, tem ritmo pop com ar de louvor gospel. A equipe do político afirma ter intenção de “preparar esse tipo de material que deve ser feito contemplando vários ritmos brasileiros diferentes”, mas que só irá “avançar nisso após o período de pré-campanha”.
As campanhas de Sofia Manzano (PCB) e Leonardo Péricles (UP) informaram que ainda não têm um jingle.