Entre todos os cânceres, o de pulmão é o que mais mata: cerca de 2 milhões de pessoas todos os anos no mundo. Lenta e silenciosa, a doença sempre foi um desafio. O diagnóstico precoce é raro e tumor em estágio avançado implica menor chance de cura e tratamentos mais agressivos.
Nas últimas décadas, porém, progressos no conhecimento sobre o câncer e aperfeiçoamento de diagnósticos e cirurgias vêm revolucionando a abordagem dos tumores malignos de pulmão.
A reportagem conversou sobre o tema com Jefferson Luiz Gross, líder do Centro de Referência de Pulmão e Tórax, do A.C. Camargo Cancer Center, e Fernando Moura, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
Quais são os principais sintomas do câncer de pulmão?
A doença não tem sintomas específicos. Tosse e rouquidão persistentes, falta de ar, dor no peito, perda inexplicável de apetite e peso, fadiga e sensação de fraqueza podem estar relacionadas a várias afecções. Como o câncer avança silenciosamente, quando os primeiros sinais surgem, o câncer tende a estar em estágio avançado. Cerca de 60% a 75% dos casos são diagnosticados já em metástase, com chance de cura em torno de 5%. “Por isso, é importante a pessoa prestar atenção em si mesma, em seu próprio corpo”, diz o cirurgião oncológico torácico Jefferson Luiz Gross, líder do Centro de Referência de Pulmão e Tórax, do A.C. Camargo Cancer Center.
Por que os fumantes são mais suscetíveis à doença?
Entre 85% e 90% dos doentes são ou eram tabagistas. Devido a lesões causadas no DNA das células tumorais, o vício aumenta de 20 a 40 vezes o risco de câncer de pulmão. O tabagismo, alertam os médicos, não é relacionado apenas ao cigarro, mas a qualquer forma de ingestão de tabaco.
Como reduzir as mortes pelo câncer de pulmão?
Primeiro: abandonar o cigarro. Além disso, entre os 50 e 80 anos, os pacientes de alto risco devem se submeter, uma vez por ano, a uma tomografia de tórax de baixa dose de radiação. Capaz de detectar tumores em fase inicial, quando as chances de cura são de 90%, essa rotina, segundo estudos recentes, reduz em 20% as taxas de mortalidade. Pacientes de alto risco são aqueles que fumam 20 maços ou mais por ano ou mais e ex-fumantes que largaram o vício há menos de 15 anos.
Pessoas que nunca fumaram podem ter a doença?
Sim. Entre 10% e 15% dos pacientes não são tabagistas. Entre eles estão pessoas expostas a substâncias tóxicas, como as da poluição ambiental, o arbesto e o gás radônio, e os fumantes passivos. Estudos recentes têm estabelecido também uma relação entre o câncer de pulmão e fatores genéticos, lembra Fernando Moura, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
Qual é o peso do estilo de vida na prevenção da doença?
Manter hábitos saudáveis é fundamental para prevenir não apenas os tumores de pulmão. Em primeiro lugar, não fumar. Em relação à dieta, quanto maior o consumo de frutas, verduras e vegetais, menor será o risco. A prática regular de atividade física também é imprescindível. A ingestão de bebidas alcoólicas deve ser parcimoniosa. E, por fim, recomenda-se o manejo do estresse.
Quais são os riscos do fumo passivo?
Quando um cigarro é acesso, dois terços da fumaça são lançados no ambiente. Ou seja, mesmo quem não fuma está exposto às substâncias cancerígenas, oriundas da combustão do tabaco.
“Os estudos são claros: o fumante passivo tem um risco de morrer por câncer de pulmão 30% maior do que um não fumante passivo”, afirma o cirurgião do A.C. Camargo.
O que define o fumante de terceira mão?
É a pessoa que tem contato com resíduos do tabaco, mas não por via inalatória, como o fumante passivo, mas por meio das partículas da fumaça do cigarro que ficam nas cortinas, nos tapetes, dentro dos carros. “É um conceito recente e ainda não há estudos relacionando esse contato com o câncer, mas pesquisas indicam maior incidência de doenças respiratórias em pessoas expostas ao fumo de terceira mão”, afirma Gross.
Quem fuma cigarro eletrônico é considerado grupo de risco?
Sim. Seu uso não é considerado tabagismo, mas é ameaça à saúde dos pulmões. “O cigarro eletrônico está diretamente relacionado à injúria pulmonar, intensa inflamação dos pulmões e, por vezes, relacionada a óbitos”, explica Moura. “Não há níveis seguros de consumo desses dispositivos.” Além disso, lembra o médico, esses produtos têm carga muito alta de nicotina, oferecendo risco de dependência. Como cigarros eletrônicos chegaram há pouco tempo no mercado e o câncer de pulmão leva anos para se desenvolver, ainda não foi estabelecida a relação de causa e efeito. “Isso não significa que não existam riscos”, diz.
Depois de quantos anos sem fumar um ex-fumante deixa de ser considerado grupo de risco para câncer de pulmão?
Em dez anos, o risco de morte por câncer de pulmão reduz para a metade, em relação a um fumante. Em 15 anos, a probabilidade de o ex-fumante vir a sofrer de doença cardíaca e/ou câncer é semelhante à de um não tabagista.
Qual é o impacto da poluição do ar no desenvolvimento da doença?
A incidência de mortes por câncer de pulmão associadas à poluição é menor do que a relacionada ao cigarro. Mas o ar contaminado por gases tóxicos, lançados na atmosfera por diversas fontes, como os automóveis, atinge toda a população. Em 2013, a OMS reconheceu a poluição como agente cancerígeno, associada a aumento no risco de câncer de pulmão de 29%.
Pacientes com problemas pulmonares, como enfisema, asma grave e bronquite severa, são mais suscetíveis ao câncer?
Sim, sobretudo nos casos de doença relacionada ao tabagismo. Doença obstrutiva crônica, o enfisema se desenvolve depois de muitos anos de agressão aos tecidos pulmonares e seu principal fator de risco é o cigarro.
Existe terapia-alvo para o câncer de pulmão?
Sim, tanto para doença metastática quanto no tratamento pós-operatório, explica Moura. Lançados na virada dos anos 1990 para 2000, esses medicamentos vêm revolucionando o manejo do câncer. Desenhados para atacar estruturas muito específicas das células tumorais, tornam a abordagem mais eficaz, com menos efeitos colaterais. O alvo de ataque é determinado por análises das alterações genômicas das células tumorais. É a oncologia rumo ao tratamento personalizado.
Os testes genéticos para definição de tratamento e acompanhamento da doença estão disponíveis no SUS e/ou na medicina privada?
Não. Com preços entre R$ 10 mil e R$ 16 mil, esses exames não estão previstos nas regulamentações da ANS e não são oferecidos pelo sistema público, devendo ser pagas pelo paciente.
Fonte: Folhapress