Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), estima-se que, nos próximos anos, mais de 11,5 mil casos de leucemia serão registrados no Brasil, sendo 6.250 em homens e 5.290 em mulheres. Para alertar sobre a importância do diagnóstico precoce e do combate à doença, foi lançada a campanha ‘Fevereiro Laranja’, que busca conscientizar a população sobre a leucemia.
Um dos grupos mais afetados pela doença são as crianças, representando 28% dos casos entre os pacientes oncológicos. Mas afinal, o que é a leucemia e como ela se manifesta?
Fevereiro Laranja alerta para importância do diagnóstico precoce da leucemia
A leucemia é um tipo de câncer que afeta as células sanguíneas da medula óssea, em sua maioria os glóbulos brancos. Na leucemia, uma célula sanguínea que ainda não atingiu a maturidade sofre uma mutação genética que a transforma em uma célula cancerosa. Essa célula anormal não funciona de forma adequada, multiplica-se mais rápido e morre menos do que as células normais. Dessa forma, as células sanguíneas saudáveis da medula óssea vão sendo substituídas por células anormais cancerosas.
De acordo com a médica hematologista Alyne Freitas, existem vários tipos de leucemia, sendo as principais classificadas em dois grupos principais: leucemia mieloide aguda (LMA), que afeta as células mieloides, e leucemia linfoblástica aguda (LLA), que afeta as células linfoides.
No caso das crianças, a leucemia linfóide aguda é a mais comum e pode ser causada por fatores genéticos. Contudo, em pessoas adultas, a doença também pode estar relacionada à exposição ambiental a elementos tóxicos, como agrotóxicos, fertilizantes, inseticidas e produtos com formaldeído.
“Estão expostas essas pessoas que trabalham com tintas, com solventes e pessoas da agricultura que trabalham inseticidas, principalmente. Mas também tem um risco maior pacientes que trabalham com formol, produtos com formaldeído, que é muito encontrado nos produtos de estética, principalmente produtos de alisar cabelo e produtos de fortalecer as unhas”.
Alyne Freitas
Médica hematologista
A hematologista explica que não existe uma relação direta com o uso do produto, mas que a exposição cumulativa pode ser um fator determinante. Por exemplo, a maioria dos pacientes com leucemia nunca tiveram contato com esses produtos durante a vida, assim como o paciente que trabalha com esses produtos pode nunca desenvolver leucemia.
“Não é uma relação direta, mas a gente deve chamar atenção que essa exposição a inseticidas, derivados do benzeno e derivados do formol, são considerados fatores de risco para leucemia aguda”, explica.
De acordo com o Inca, os casos de leucemia relacionados à exposição a produtos tóxicos podem ser evitados. Eliminando-se essa exposição a produtos cancerígenos no ambiente de trabalho, seria possível reduzir para 37% a incidência de leucemia em homens e 9% em mulheres.
Além desses fatores, a hematologista explica que hábitos como tabagismo, sedentarismo e má alimentação também podem contribuir para alterações genéticas e moleculares que propiciam o aparecimento de cânceres.
“A leucemia é uma doença que precisa ser feito o diagnóstico precoce. Existem os fatores genéticos e os fatores ambientais. Quando a gente pensa em fatores genéticos, praticamente todos os tipos de câncer, vão estar associados a fatores genéticos. E quando a gente fala em fatores genéticos, a gente entende que os nossos hábitos de vida ao longo dos anos, se são hábitos ruins, como fazer uso de cigarro, o sedentarismo, a alimentação ruim, a gente vai acumular ao longo dos anos alterações genéticas e moleculares que podem fazer essas doenças aparecerem lá na frente”, diz Alyne Freitas.
Quais são os sintomas?
Um dos desafios para o diagnóstico precoce da leucemia é o fato de que os sintomas da doença se assemelham aos de muitas viroses mais comuns. São eles: fraqueza, cansaço, indisposição, palidez, febre, manchas pelo corpo e dor no corpo, principalmente na região do quadril, coluna e pernas. A médica explica que a diferença é que, no caso da leucemia, esses sintomas irão se agravar ao longo dos dias.
“Os sintomas da leucemia aguda são sintomas agudos. É um paciente que era saudável que, em questões de dias ou semanas, começa a apresentar esses sintomas. São sintomas muito parecidos com qualquer virose e se confundem com muitas outras doenças. Mas, no pronto-socorro, o paciente vai fazer um hemograma, que é o exame simples que está disponível em qualquer lugar, e, dependendo das alterações que aparecem ali, a gente vai suspeitar de uma virose simples ou de uma doença mais agressiva. No caso de outras doenças, esses sintomas vão desaparecer em alguns dias, já na leucemia esses sintomas vão só agravar”, esclarece.
Tratamento
Atualmente, apenas as leucemias agudas são curáveis, especialmente a leucemia linfóide aguda da infância. Nos adultos, a chance é de cerca de 60%, a partir da quimioterapia. Já no caso da leucemia linfoide aguda, o índice de cura é ainda maior, podendo chegar a 90%. No entanto, a hematologista alerta que o tratamento através da quimioterapia é mais agressivo do que para os demais tipos de câncer, especialmente na primeira etapa.
“A primeira etapa de quimioterapia se chama etapa de indução, geralmente é uma internação prolongada de trinta ou mais dias. Nesse período, além da quimioterapia, pode-se esperar complicações importantes, como infecções e dependência de transfusões, seja de hemácias ou de plaquetas. Passada essa primeira etapa, se o tratamento foi positivo, é feita uma segunda etapa, chamada de consolidação, em que a quimioterapia é menos agressiva, é mais bem tolerada e pode ser feita a nível ambulatorial, sem necessitar da internação”, detalha.
Além dessas duas etapas, no caso das leucemias linfóides agudas, tipo mais comum em crianças, ainda vai ser realizada uma terceira etapa de manutenção. Nesta última fase, são administradas baixas doses de quimioterapia durante meses ou anos após a consolidação.
“O tratamento e a fé da minha família salvaram a minha vida”, diz jovem que se curou da leucemia
Com 27 anos de idade, a nutricionista, empreendedora e modelo Giovanna Luiza Moraes leva consigo uma história de superação que a marcará para sempre: ela faz parte da estatística de pessoas que conseguiram se curar da leucemia.
Aos 4 anos, a pequena Giovanna foi diagnosticada com LLA. Sua família percebeu os primeiros sintomas ainda no início da doença, o que foi primordial para que ela conseguisse ter sucesso no tratamento. “Minha madrinha ia me buscar na escola e percebeu que eu apresentava muito cansaço. A partir daí, decidimos fazer um exame e logo o hemograma apontou uma alteração. O exame foi para São Paulo e foi confirmado que eu estava com leucemia linfóide aguda”, afirma.
Com o resultado, veio o baque em toda a família. A jovem, que tem poucas memórias de um dos momentos mais difíceis da sua vida, conta que todos ficaram muito apreensivos, com medo do que viria a seguir. Apesar do nervosismo, eles se mantiveram confiantes no tratamento, que foi iniciado imediatamente após o diagnóstico.
“Eu tenho somente lapsos memórias desse tempo, porque era uma criança. Mas lembro de um momento que me marcou muito: quando recebemos o resultado, a minha avó me abraçou forte e chorou muito. Ela estava com medo de perder a sua neta’, relembra Giovanna.
A pequena Giovanna tinha apenas 4 anos quando foi diagnosticada
No início dos anos 2000, a condição financeira da família de Giovanna se assemelhava a boa parte do perfil brasileiro trabalhador da época: seus pais não tinham transporte próprio e precisavam assegurar que sua filha teria todo o apoio que precisasse caso algo acontecesse. Por isso, Giovanna e seus pais se mudaram para a casa da avó.
“Nós começamos um processo de mudança e fomos morar na casa dela, porque caso acontecesse qualquer intercorrência e eu precisasse ir para o hospital, tinha o carro do meu avô. Passamos a morar em um terreno no fundo na casa deles. Na época, meu pai andava de bicicleta e minha mãe, de ônibus. Não tínhamos muita condição financeira. A gente só tinha que confiar no tratamento”, acrescenta.
Giovanna passou boa parte da sua infância no Hospital São Marcos, tratando a doença. Ela não chegou a fazer transplante de medula óssea, mas fez inúmeras sessões de quimioterapia. Durante o processo o seu cabelo caiu, e o que já era difícil para uma criança se tornou ainda mais complexo quando ela passou a lidar com os sintomas decorrentes dos remédios e corticoides.
“No meu aniversário de cinco anos, lembro de estar no auge do tratamento. Tomava muitos remédios e a quimio me deixou muito inchada. Eu precisei largar a escola durante um ano para poder cuidar da saúde. Todo o processo é algo muito debilitante e doloroso para uma criança”.
Giovanna Moraes
Nutricionista
Embora as dificuldades tenham sido muitas, a fé e a coragem foram maiores. Giovanna Moraes pôde contar com o apoio da família, de amigos dos seus pais e de diversas pessoas que queiram o seu bem. Ela ressalta que essa esperança foi o que salvou a sua vida. “Eu costumo dizer que o que me salvou foi a fé da minha família. A medicina não era tão evoluída como é hoje. Mesmo assim, lembro de me manter sempre confiante no processo, sabia que iria conseguir superar”.
E conseguiu! Após quatro anos de tratamento, Giovanna foi curada da leucemia. Para a jovem, a superação só foi possível por conta do diagnóstico precoce e da atenção que sua família deu aos primeiros sinais. “Graças a Deus eu não precisava mais me submeter àqueles procedimentos. Foi um grande alívio para toda a nossa família. Acredito que ser diagnosticada no começo do problema foi o que me trouxe a cura do câncer infantil. Por isso, é muito importante que as pessoas estejam atentas aos sinais que seu corpo dá”, reforça.
Giovanna Moraes foi curada da leucemia após quatro anos de tratamento
Uma forma de retribuir
Giovanna Moraes hoje é uma jovem saudável, ativa e uma profissional que atua em diversas áreas. Sua história é um exemplo de como a fé, a esperança e coragem podem mudar os desfechos de uma trajetória.
Como forma de incentivar as pessoas a lembrarem daqueles que ainda estão lutando por suas vidas, a modelo e nutricionista realiza uma campanha de doação de sangue no dia do seu aniversário. Ela conta que essa é a sua forma de retribuir a todos que a ajudaram durante o tratamento.
“Não posso doar sangue por conta do problema que tive. Nos últimos dois anos tenho convidado todos os meus amigos que queriam me presentear, a doarem uma bolsa de sangue, pois foi a doação que salvou a minha vida. Durante os anos de tratamento, precisava de uma bolsa de sangue todos os dias. Essa é minha forma de retribuir quem um dia me ajudou também a viver. Esses pequenos gestos salvam a vida de pessoas que a gente nem conhece, seja uma criança, adulto ou idoso. Muitos não imaginam o impacto que isso tem na vida de alguém que está precisando”, conclui Giovanna Moraes.
Apenas 3% da população piauiense é cadastrada como doador de medula óssea
Alguns casos de leucemias agudas necessitam do chamado Transplante de Medula óssea (TMO) alogênico. Nesse tipo de transplante, a medula óssea do paciente, que não está funcionando adequadamente, é substituída por células-tronco hematopoiéticas de um doador saudável e com uma composição genética semelhante, podendo ser um familiar ou não.
“Assim como todo tipo de câncer, a leucemia pode recidivar e a maior incidência é nos primeiros dois anos. Passados os primeiros dois anos essa probabilidade de recidivar diminui, assim como todos os outros tipos de câncer. No caso de uma recidiva, se torna uma doença ainda mais temida porque a probabilidade de atingir a cura reduz. Então, nesse momento, é preciso lançar mão do transplante alogênico de medula óssea, porque vai ser uma arma terapêutica importante para combater a doença que se mostrou mais agressiva”, afirma a médica hematologista Alyne Freitas.
Apenas 3% da população piauiense é cadastrada como doador de medula óssea – (Reprodução/Internet)Reprodução/Internet
Apenas 3% da população piauiense é cadastrada como doador de medula óssea
Por isso, o cadastro de doadores de medula óssea é tão importante. Nos casos em que há o diagnóstico e a probabilidade do tratamento sozinho não dar certo, os pacientes precisam fazer o transplante. A estimativa é de que a chance de se encontrar um doador compatível é de 1 em 100 de doadores aparentados e 1 em 100 mil entre não aparentados.
No Piauí, apenas 98 mil pessoas estão cadastradas como doadoras de medula óssea, o que representa apenas 3% da população do estado. Além disso, 271 pacientes já realizaram busca de doador não aparentado pelo Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea
Para se tornar um doador voluntário de medula óssea, é necessário:
- Ir até o Hemopi (Centro de Hematologia e Hemoterapia do Piauí), localizado na Rua Primeiro de Maio, 235, Centro (Sul), em Teresina;
- Ter entre 18 e 35 anos de idade (O doador permanece no cadastro até 60 anos e pode realizar a doação até esta idade).
- Levar um documento de identificação oficial com foto.
- Estar em bom estado geral de saúde.
Não ter nenhuma doença impeditiva para cadastro e doação de medula óssea.
Hemopi realiza cadastro de doadores de medula óssea
“O Hemopi vai fazer o cadastro, é colhido um exame de sangue simples, como se fosse um hemograma comum, e daquele exame vai ser feito o seu perfil e você vai ser cadastrado numa plataforma internacional. Se algum paciente em algum lugar do mundo for semelhante a você, os seus dados vão se cruzar e você vai ser convocado para ver se é possível fazer a sua doação, se você continua a ser um potencial doador e se é saudável para fazer a doação. Em um segundo momento, se houver alguém compatível, você vai ser convocado para o procedimento de doação de medula”, finaliza a médica hematologista.
O transplante de medula óssea é rápido, como uma transfusão de sangue, e dura em média duas horas. Ele consiste na substituição de uma medula óssea doente por células normais da medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma nova medula saudável.
O paciente, depois de se submeter a um tratamento que destruirá a sua própria medula, receberá as células da medula sadia de um doador. Estas células, após serem coletadas do doador, são acondicionadas em uma bolsa de criopreservação de medula óssea, congeladas e transportadas em condições especiais (maleta térmica controlada com termômetro, em temperatura entre 4 Cº e 20 Cº) até o local onde acontecerá o transplante.