A pandemia agravou a fome no Brasil, que tem atualmente 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer – número que aumentou quase 50% em pouco mais de um ano. São 14 milhões de brasileiros a mais em insegurança alimentar grave em 2022, na comparação com 2020.
Seis em cada dez domicílios não conseguem manter acesso pleno à alimentação e possuem alguma preocupação com a escassez de alimentos no futuro, sendo as regiões Norte e Nordeste as mais impactadas.
É o que revela o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado nesta quarta-feira (8) pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os indicadores da insegurança alimentar vinham piorando no país há pelo menos nove anos, mas a pandemia deixou a situação ainda mais dramática.
O estudo revela que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com algum tipo de insegurança alimentar em grau leve, moderado ou grave (de fome total). Em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros nessas condições, aumento de 7,2% em relação a 2020, início da pandemia de Covid-19.
“A pandemia surge neste contexto de aumento da pobreza e da miséria, e traz ainda mais desamparo e sofrimento”, aponta Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede. Segundo o estudo, o país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.
Os dados da pesquisa foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, com entrevistas em 12.745 residências brasileiras, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. A Segurança Alimentar e a Insegurança Alimentar foram medidas pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), também utilizada pelo IBGE.
De acordo com o estudo, Norte e Nordeste do país são os mais impactados. Nessas regiões, os índices de insegurança alimentar chegam, respectivamente, a 71,6% e 68% – números expressivamente maiores do que a média nacional de 58,7%.
A fome fez parte do dia a dia de 25,7% das famílias na região Norte e de 21% no Nordeste. A média é de aproximadamente 15% no Sudeste e 10% no Sul.
O mesmo agravamento é percebido quando se compara o campo e a cidade. Nas áreas rurais, a insegurança alimentar, em todos os níveis, esteve presente em mais de 60% dos domicílios. Até quem produz alimento está pagando um preço alto: a fome atingiu 21,8% dos lares de agricultores familiares e pequenos produtores.
Enquanto a segurança alimentar está presente em 53,2% dos domicílios onde a pessoa de referência se autodeclara branca, nos lares com responsáveis de raça/cor preta ou parda ela cai para 35%. Em outras palavras, 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com restrição de alimentos em qualquer nível.
“O Brasil tem uma população muito desigual financeiramente. Os dados comprovam isso. Atualmente, o país vive um cenário de catástrofe no quesito de insegurança alimentar. Podemos dizer também é que a fome tem endereço, cor e identidade social”, destaca Nilson Maciel, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador da Rede.
Avanço da insegurança alimentar
De acordo com o IBGE, desde 2004, a insegurança alimentar no país vinha diminuindo e estava presente em 34,9% dos lares naquele ano. O índice caiu para 30,2% em 2009 e atingiu 22,6% em 2013.
Mas desde então, a fome vem aumentando. Dos 68,9 milhões de domicílios do país, 36,7% estavam com algum nível de insegurança alimentar, atingindo, ao todo, 84,9 milhões de pessoas, conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018 de Análise da Segurança Alimentar no Brasil, do IBGE.
Na comparação com 2013, a prevalência de insegurança quanto ao acesso aos alimentos aumentou 62,4%.